A expressão que nomeia este texto é o que mais se ouve sobre a LGPD. A crença de que “a lei não vai pegar” atinge toda sorte de pessoas que estão submetidas à ela. Em verdade, uma mudança tão forte de paradigma de comportamento assusta e, com tão acintosa repercussão no nosso dia a dia, causa resistência.
“Não faço tratamento de dados pessoais porque meu negócio não é digital e não tenho vendas por canais digitais.”
Este talvez seja o maior engano da maioria das pessoas. Tratamento de dados pessoais não é apenas a coleta ou armazenamento de dados por meios digitais. Realiza-se tratamento de dados em situações simples, bem próprias do mundo analógico. Num consultório odontológico, por exemplo, usam-se fichas impressas com todos os dentes do paciente, indicando detalhes de cada dente daquele paciente ou, numa uma radiografia impressa da boca do mesmo, anexada no prontuário desse paciente, faz-se tratamento, não só dos dentes, mas dos dados pessoais do paciente. Notem que aquela ficha vai para um fichário, que fica numa gaveta. Em termos de segurança de dados pessoais, necessário refletir sobre quem pode ver o fichário, como se garante que apenas as pessoas que têm autorização para ver aquele fichário tenham acesso ao mesmo, se existem chaves que tranquem a referida gaveta e se as chaves ficam em poder somente de quem tem autorização para acessar as fichas.
Noutro exemplo, fora do mundo digital, numa imobiliária, os contratos de locação empilhados na mesa de algum colaborador, expondo dezenas de dados pessoais de partes contratantes, sem que se tome qualquer cautela com o acesso ao recinto onde está a mesa desse funcionário, são outra amostra de como os dados pessoais que confiados podem ficar expostos e serem alvo da curiosidade alheia. Em tal circunstância, tais dados podem ser anotados ou fotografados facilmente por um “curioso” e compartilhados com terceiros. Observem que, neste caso, pode acontecer um “vazamento de dados pessoais” em meio não digital.
Ainda na dinâmica dos exemplos, aquele currículo recebido de algum postulante à uma vaga, entregue impresso diretamente nas mãos do vendedor daquela pequena loja de bairro, possui uma série de dados pessoais do candidato. Muitas vezes, guarda-se o currículo na gaveta e, noutras, como não há interesse pelo pretendente, apenas amassa-se e joga-se fora o currículo. Atentem-se que nas duas ações realiza-se tratamento de dados pessoais (armazenamento e/ou exclusão). Se a loja não se atentar em proteger os dados ali contidos, armazenando de forma segura ou descartando de maneira que ninguém mais possa tomar conhecimento dos dados lá inseridos, fere de morte a LGPD.
CONTINUA…
Por: Marcus Vinicius Ramos Gonçalves
Sócio da Data Protection Brasil, Prof. Convidado da Pós-Graduação da FGV-RJ. Ex-Presidente da Comissão de Estudos em Comunicação da OAB/SP. Presidente do ILADEM (Inst. Latino-Americano de Defesa e Desenvolvimento Empresarial).